A utopia perdida de Fordlândia: a cidade "americana" que sucumbiu no coração da Amazônia

Nos anos 1920, Henry Ford tentou implantar uma cidade-modelo americana na floresta amazônica. A iniciativa terminou em fracasso, revolta dos trabalhadores e abandono da estrutura industrial.

Vista aérea da Fordlândia em sua localidade inicial, no estado do Pará, às margens do Rio Tapajós. Créditos: public domain
Vista aérea da Fordlândia em sua localidade inicial, no estado do Pará, às margens do Rio Tapajós. Créditos: Domínio Público

Em 1927, o magnata do setor automobilístico Henry Ford adquiriu cerca de um milhão de hectares às margens do rio Tapajós, no estado do Pará. A área foi concedida pelo governo brasileiro com a promessa de impulsionar a produção de látex, insumo essencial para os pneus utilizados pela indústria automobilística.

Preocupado com a instabilidade dos fornecedores asiáticos, Ford decidiu investir em um megaprojeto agroindustrial na Amazônia. Mas sua visão ia além da produção de matéria-prima. Ford queria implantar, em plena floresta tropical, uma cidade-modelo que seguisse os padrões de vida e os valores morais da classe média norte-americana.

Nascia assim a Fordlândia — uma utopia tropical em que o trabalho era rigidamente controlado por relógios de ponto, sirenes e normas de conduta. A cidade previa hospitais, escolas, cinemas, igrejas, quadras esportivas e até campo de golfe. Tudo com arquitetura inspirada nos subúrbios dos Estados Unidos e infraestrutura moderna, como ruas asfaltadas e hidrantes.

Choque cultural e cotidiano opressor

A tentativa de transplantar o estilo de vida americano para o coração da Amazônia, no entanto, provocou um enorme choque cultural. A alimentação local foi substituída por refeições padronizadas, o consumo de álcool foi proibido e até a vestimenta dos trabalhadores passou a ser regulamentada.

Trabalhadores de Fordlândia limpando os seringais na Amazônia. Créditos: The Henry Ford via Flickr.
Trabalhadores de Fordlândia limpando os seringais na Amazônia. Créditos: Divulgação The Henry Ford via Flickr.

O clima úmido e quente da floresta contrastava com a rigidez dos horários e o uso de roupas inadequadas. As exigências de produtividade enfrentavam dificuldades naturais, como chuvas constantes e o crescimento desordenado das seringueiras. A imposição de cultos religiosos protestantes também causou desconforto entre os trabalhadores, que viam seus hábitos e crenças desrespeitados.

Com o tempo, a insatisfação tomou conta dos habitantes da Fordlândia. Em dezembro de 1930, eclodiu a “Revolta dos Caboclos”, um levante violento iniciado após protestos contra o cardápio imposto no refeitório da usina. Centenas de operários armados invadiram prédios administrativos, danificaram geradores e expulsaram os gerentes americanos, que fugiram pela floresta ou pelo rio Tapajós.

Fracasso agrícola e fim do projeto

Do ponto de vista produtivo, o projeto também se mostrou desastroso. O plantio em sistema de monocultura facilitou a disseminação de pragas, como o fungo Microcyclus ulei, que dizimou as plantações. A produção de látex nunca chegou a justificar os investimentos, que somaram cerca de 20 milhões de dólares.

Créditos: Guido d'Elia via Flickr.
Galpão de fábrica abandonado em Fordlândia. Créditos: Guido d'Elia via Flickr.

Em 1932, Ford tentou recomeçar o projeto em uma nova área chamada Belterra, cerca de 100 quilômetros ao sul. Mas a Segunda Guerra Mundial e a popularização da borracha sintética tornaram o empreendimento ainda mais obsoleto. Em 1945, a empresa encerrou suas atividades no Brasil e vendeu toda a estrutura da cidade ao governo brasileiro por apenas 250 mil dólares.

Apesar do abandono, a Fordlândia não desapareceu completamente. Muitos trabalhadores permaneceram na região, formando uma comunidade que resiste até hoje. Em 2017, o local foi reconhecido oficialmente como distrito de Aveiro. Antigas casas, galpões e reservatórios de água ainda permanecem, alguns reutilizados, outros em ruínas. Há esforços em andamento para transformar Fordlândia em patrimônio histórico e símbolo de um capítulo curioso da história industrial global.

Referência da notícia

Fórum. A cidade abandonada no coração da Amazônia que revela uma história de utopias e revoltas. 2025

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