Há 100 anos, Cecilia Payne descobriu do que são feitas as estrelas e revolucionou a forma como olhamos o Universo
Conheça a história desta pioneira da Astronomia que, em 1925, lutou contra uma comunidade científica dominada por homens para romper com o paradigma da sua época.

Um céu noturno estrelado é um viveiro de histórias, poesia, literatura e ciência. Desde a Antiguidade que as estrelas guiaram a humanidade, ajudando os nossos antepassados a navegar os mares, a explorar novos territórios, a semear e a colher da terra ou, não menos importante, inspirando mitos e lendas que fundaram as nossas civilizações.
A nossa relação com as estrelas é ancestral, mas só há 100 anos soubemos qual é a sua verdadeira natureza. Em 1925 uma brilhante aluna da Universidade de Harvard descobriu de que são feitas as estrelas.
Cecilia Payne-Gaposchkin, astrônoma e astrofísica britânica-americana, tem apenas 25 anos quando ousa enfrentar uma comunidade científica conservadora e machista, apresentando uma tese sobre a composição das estrelas, a qual mudou a forma como olhamos para o Universo.

Comemoramos em 2025 o centenário da sua descoberta, e a melhor forma de celebrar esta data marcante para a Astronomia é conhecer um pouco melhor a trajetória de Cecilia Payne e como ela moldou a pesquisa sobre o Universo.
Um eclipse solar leva Cecilia até às estrelas
Em 1919, Cecilia Payne ganha uma bolsa de mérito para estudar botânica, física e química em Newnham College, na Universidade de Cambridge. Mas uma palestra do astrofísico britânico Arthur Eddington sobre o eclipse solar de 29 de maio desse mesmo ano mudaria para sempre o seu percurso como cientista.
Ela acabaria o curso em Astronomia, mas não receberia o diploma, pois, até 1948, Cambridge reconhecia esse título unicamente aos homens.
Cecilia Payne parte então para os Estados Unidos, em busca de melhores oportunidades, e entra no Harvard College Observatory, em 1923, através de um programa criado especificamente para encorajar mulheres a estudar no observatório.

Entre 1885 e 1927, o Harvard College Observatory empregou cerca de 80 mulheres que estudaram fotografias de estrelas feitas em placas de vidro. Elas ficaram conhecidas como as "mulheres-computadores" de Harvard e fizeram várias descobertas no campo da Astronomia, como galáxias, nebulosas ou novos métodos para medir distâncias no espaço.
Uma teoria revolucionária, mas ridicularizada
Cecilia Payne usa os seus conhecimentos na área de física quântica para estudar a composição das estrelas. Harlow Shapley, diretor do Harvard College Observatory fica maravilhado com as suas descobertas e a incentiva a apresentar as conclusões em uma tese de doutorado.
Em 1925, Cecilia Payne expõe sua teoria revolucionária em um ensaio intitulado "Atmosferas Estelares, uma Contribuição para o Estudo da Observação da Temperatura Alta nas Camadas Revertidas das Estrelas" (Stellar Atmospheres, a Contribution to the Observational Study of High Temperature in the Reversing Layers of Stars).
Payne aplica a teoria da ionização do astrofísico indiano Meghnad Saha para relacionar a classificação das estrelas com as suas temperaturas absolutas.
O seu trabalho está também suportado na catalogação que a sua colega Annie Jump Cannon fez de milhares de espectros estelares, lhe permitindo obter informações sobre temperatura, luminosidade e composição química das estrelas.
Hélio e sobretudo o hidrogênio são os principais componentes das estrelas, defende ela, concluindo que o hidrogênio é o elemento químico mais abundante do Universo.
A sua tese contraria as crenças da época que dão como certo que a composição química das estrelas é bastante similar à da Terra. Por isso, a teoria de Cecilia Payne é rapidamente contestada e até ridicularizada.
Henry Norris Russell, astrônomo da Universidade de Princeton, muito bem-conceituado naquela época, a desencoraja a defender a sua tese por estar convencido de que não passa de pura fantasia.

Payne n��o se deixa intimidar, mas terá de esperar até 1929 para ver sua tese finalmente validada pela comunidade científica. O próprio Henry Norris Russell chega ao mesmo resultado nas suas posteriores pesquisas.
Um longo caminho até ao reconhecimento
Cecilia Payne prossegue as suas pesquisas em Harvard, estudando as estrelas de alta luminosidade, com o objetivo de entender a estrutura da Via Láctea e ainda das Nuvens de Magalhães.
Em 1943, torna-se membro da American Academy of Arts and Sciences, lecionando várias disciplinas em Harvard. Mas, é só a partir de 1945, que os seus cursos passam a constar nos anuários da universidade.
O astrofísico Donald Menzel assume a direção do observatório em 1954 e, dois anos mais tarde, promove finalmente Cecilia Payne a professora em regime de tempo integral na Harvard Faculty of Arts and Sciences.
Em 1956, torna-se a primeira professora associada em Harvard, e a sua cátedra é a primeira ocupada por uma mulher no seu departamento.
Três anos antes de sua morte, em 7 de dezembro de 1979, Payne recebeu um prêmio pela sua descoberta sobre a composição das estrelas, entregue justamente por Henry Norris Russell, que havia julgado as suas conclusões "altamente inviáveis".

A tese de doutorado de Cecilia Payne, apresentada em 1925, é atualmente considerada um marco na história da Astronomia. As suas conclusões ajudaram os pesquisadores a entender o que se passa na superfície de uma estrela ao longo do seu tempo de vida, especificamente como a energia produzida no seu centro se desloca para as suas camadas exteriores e como morrem em explosões, em vez de se desvanecerem, fracamente, em um fundo escuro e misterioso.
Hoje é consensual entre os cientistas que o estudo das estrelas está no centro da pesquisa da Astronomia. Todo o conhecimento sobre o Universo até agora alcançado, aliás, tem origem nas estrelas. E é por isso que as descobertas de Cecilia Payne foram determinantes para avançar nas ciências do espaço.
Referências da notícia
Owen Gingrich. “The Most Brilliant Ph.D Thesis Ever Written in Astronomy”. Harvard Smithsonian Center for Astrophysics
Jean Turner. «Cecilia Helena Payne-Gaposchkin». Contributions of 20th Century Women to Physics. UCLA.
Women Astronomical Computers at the Harvard College Observatory. Harvard University