A polêmica La Niña 2024/2025 permanece fora dos registros oficiais da NOAA

Embora a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos Estados Unidos tenha declarado tardiamente a consolidação da La Niña no começo do ano, o evento permanece fora dos registros históricos.

As anomalias globais de temperatura da superfície do mar de 5 de abril de 2025 indicam um aquecimento expressivo do Oceano Pacífico na costa da América do Sul e neutralidade no setor central de monitoramento. Fonte: NOAA.
As anomalias globais de temperatura da superfície do mar de 5 de Abril de 2025 indicam um aquecimento expressivo do Oceano Pacífico na costa da América do Sul e neutralidade no setor central de monitoramento. Fonte: NOAA.

Em 9 de Janeiro de 2025, quase um ano após as primeiras previsões da NOAA indicarem o iminente desenvolvimento do evento La Niña, a agência finalmente declarou que as condições estavam presentes. No entanto, essa declaração gerou controvérsia na comunidade meteorológica mundial, tanto pela falta de persistência das condições quanto pela ausência de acoplamento com a circulação atmosférica.

Caso confirmado, este seria o evento La Niña mais tardio já registrado. Entretanto, o fenômeno não foi incluído nos registros históricos da NOAA, uma vez que as condições de resfriamento não se mantiveram. Essa exclusão levanta dúvidas sobre os critérios utilizados para a classificação oficial e a transparência dos dados divulgados pela agência.

La Niña 2024/2025 fora dos registros históricos

A declaração oficial da NOAA sobre a presença da La Niña foi baseada no fato de que a anomalia da temperatura da superfície do mar (TSM) atingiu -0,5°C em Dezembro de 2024 – um dos critérios essenciais para a caracterização do fenômeno – e na expectativa de que as condições se mantivessem pelos próximos meses.

No entanto, esse evento não foi incluído nos registros históricos (CPC/NOAA), como destacado na imagem abaixo. Observa-se que, desde Abril de 2024, o ENSO apresenta neutralidade, indicada pela cor cinza. O Oceanic Niño Index (ONI) não alcança o limiar exigido de -0,5°C pelo tempo necessário de cinco trimestres sobrepostos, sendo observado apenas nos períodos novembro-dezembro-janeiro e dezembro-janeiro-fevereiro.

Registro histórico recente dos eventos ENSO com base no índice ONI. Em vermelho são registrados eventos El Niño, em azul eventos La Niña e neutralidade em cinza. Fonte: CPC/NOAA.
Registro histórico recente dos eventos ENSO com base no índice ONI. Em vermelho são registrados eventos El Niño, em azul eventos La Niña e neutralidade em cinza. Fonte: CPC/NOAA.

Especialistas questionam essa omissão, argumentando que, se a NOAA reconheceu a La Niña oficialmente, o evento deveria estar listado nos registros. A ausência do evento levanta dúvidas sobre possíveis inconsistências nos processos internos de monitoramento e divulgação de informações, ou mesmo um tipo de pressão política para evitar que as previsões feitas ao longo de 2024 fossem consideradas equivocadas.

Condições atuais do Oceano Pacífico

Apesar da tendência recente de aquecimento nas águas do Pacífico Equatorial, o boletim semanal publicado em 31 de Março de 2025 pela NOAA ainda mantém o alerta de La Niña, contrariando seus próprios dados, que indicam neutralidade. Isso gera ainda mais confusão entre especialistas e meteorologistas que acompanham os padrões climáticos globais.

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Evolução das anomalias de TSM nas regiões de monitoramento do Oceano Pacífico, com o retângulo vermelho destacando a região de monitoramento Niño 3.4. Fonte: Adaptado de CPC/NOAA.

Enquanto isso, o Instituto Bureau de Meteorologia da Austrália (BOM) segue um posicionamento diferente. A agência australiana não declarou La Niña neste período e manteve um aviso de neutralidade até o momento. Essa discrepância entre instituições meteorológicas levanta questionamentos sobre as diferentes metodologias empregadas para classificar esses eventos.

O que esperar dos próximos meses?

As previsões climáticas indicam a neutralidade do Oceano Pacífico nos próximos meses. De acordo com o boletim da NOAA, há uma probabilidade de 75% de neutralidade entre Fevereiro e Abril de 2025, com tendência de permanência até o inverno no hemisfério sul. Para o período entre Outubro e Dezembro de 2025, os modelos indicam chances equilibradas (42%) de manutenção da neutralidade ou “retorno” da La Niña.

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Probabilidade de evento ENOS em 2025 (esquerda) e previsão dos modelos dinâmicos e estatísticos (direita). Fonte: CPC/NOAA.

A confiabilidade dessas previsões, no entanto, varia de acordo com os modelos utilizados. Modelos estatísticos baseiam-se em registros históricos e tendências passadas, enquanto os modelos dinâmicos levam em consideração a dinâmica atmosférica e oceânica em tempo real.

Ambos têm seus pontos fortes e limitações, principalmente para La Nina, o que torna o monitoramento contínuo essencial para prever corretamente as condições futuras.

Demissões em massa afetam a NOAA

A incerteza nos registros e boletins climáticos da NOAA pode estar relacionada às recentes demissões em massa realizadas pelo atual governo dos Estados Unidos. Desde Fevereiro, centenas de funcionários da NOAA foram dispensados, comprometendo significativamente a capacidade operacional da agência.

Além dos impactos na qualidade e consistência dos dados climáticos, essas demissões também representam uma ameaça à segurança nacional, uma vez que a NOAA é responsável pelo monitoramento de eventos extremos como furacões, tempestades, tornados e ondas de calor.

Protestos contra as demissões em massa na NOAA. Créditos: Reprodução/RFI/ Helen H. Richardson.
Protestos contra as demissões em massa na NOAA. Créditos: Reprodução/RFI/ Helen H. Richardson.

Ademais, a redução de pessoal pode afetar diretamente a disponibilização de produtos meteorológicos essenciais para diversos países que dependem dessas informações para planejamento e prevenção de desastres naturais.

A situação levanta preocupações sobre o futuro das previsões climáticas e a credibilidade dos relatórios da NOAA, reforçando a necessidade de uma gestão mais transparente e eficiente na área meteorológica global.

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